Especialista Arthur Guerra tira as maiores dúvidas sobre sintomas do vício e tratamento
No início, são alguns goles de bebida alcoólica e um ou outro cigarro.
Depois, desponta uma curiosidade por maconha e até pode chegar ao uso de
cocaína e crack. Esse costuma ser o trajeto de adolescentes pelo mundo
das
drogas,
que tem começado cada vez mais cedo. Um levantamento realizado pelo
Portal Educacional mostrou que aos 15 anos de idade, 75% dos jovens já
beberam pelo menos uma vez na vida e 31% já beberam além da conta. Os
resultados são da pesquisa chamada "Este Jovem Brasileiro - Álcool", que
contou com 11.846 jovens de 13 a 17 anos de todo o país. Além disso,
30% dos jovens começaram a beber com regularidade a partir de 14 ou 15
anos.
O papel dos pais na tentativa de evitar que o
filho entre nesse caminho ou de ajudá-lo a sair pode fazer toda a
diferença. Por isso, entrevistamos o psiquiatra Arthur Guerra,
especialista do Minha Vida e Coordenador do GREA, Programa do Grupo
Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de
Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP,
para esclarecer dúvidas sobre a atitude da família com o adolescente
quando o assunto é drogas. Confira:
Por que o uso de drogas pode ser mais comum na adolescência?
O adolescente está em uma
fase muito especial da vida: está deixando de ser criança para virar
adulto, uma fase de mudanças e novas experiências. A curiosidade é um
dos maiores motivos que o leva a experimentar alguma droga e, depois de
um tempo, passar a experimentar outras cada vez mais pesadas. De cada 10
adolescentes que experimentam drogas, um acaba virando dependente.
Como os pais podem interferir na vida do filho adolescente na tentativa de que ele fique longe das drogas?
Sem dúvida, a principal
forma de prevenção é os pais darem o exemplo sadio. Acho errado pais que
deixam o filho experimentar e consumir bebida alcoólica, cigarro ou
outras drogas dentro de casa, junto com eles. O certo é mostrar que o
consumo dessas drogas é prejudicial à saúde e não manter esse hábito.
"De cada 10 adolescentes que experimentam drogas, um acaba virando dependente."
Nem mesmo o álcool pode ser permitido entre os adolescentes?
Exatamente. O consumo de
álcool
é sempre um hábito negativo, por três motivos principais: primeiro
porque o adolescente não consegue ter controle sobre o uso e acaba
consumindo de forma exagerada, vai pela empolgação e pelos amigos.
Segundo, o cérebro do jovem onde o álcool vai agir ainda não está
totalmente amadurecido, o que pode prejudicar o rendimento escolar dele.
O terceiro, por fim, é o risco maior de dependência: quanto mais cedo a
pessoa começar a usar, maiores serão as chances de ter problemas de
saúde e de acostumar o corpo ao uso frequente de álcool.
Quais sinais podem levar os pais a desconfiar que o filho seja usuário de drogas?
Quando o pai começa a
desconfiar de mudanças de comportamento. Essa mudança é percebida
principalmente aos observar os amigos do filho - ou ele muda as
amizades, ou os amigos também começam a ficar com comportamentos
diferentes. O adolescente ainda pode ter uma piora do rendimento escolar
na escola, ficar irritável, trocar o dia pela noite e conversar menos
dentro de casa.
O que precisa ser feito quando a família constata que existe uma situação de uso de drogas?
O primeiro passo é observar o
comportamento e procurar conversar com o filho. É muito importante
entender qual é o tipo de droga usado e a frequência, além de procurar
ajuda profissional.
Apoio da família é fundamental para o tratamento da dependência
Como identificar que o filho está dependente?
Se ele fizer um uso eventual
de maconha e álcool, por exemplo, não terá o comportamento tão afetado
no dia a dia. Pode ser um consumo ligado a uma situação de festa e
eventos esporádicos, mas que mesmo assim é perigoso e precisa de
atenção. Já quando o adolescente está dependente, ele precisa usar a
droga sempre para não ter abstinência. Se os pais observarem o
comportamento e a rotina do filho e mantiverem sempre um diálogo,
conseguirão perceber com facilidade essas diferenças.
O tratamento do adolescente é diferente do tratamento adulto?
Sim. O tratamento em todas
as faixas etárias costuma ser multifacetado, ou seja, com várias áreas
envolvidas (psiquiatra, psicólogo e outros). O adolescente, porém,
precisa ainda mais do ambiente familiar e de um grande suporte dos
amigos. É difícil você chegar a esse jovem e simplesmente dizer "você
nunca mais vai usar álcool na sua vida". Ele precisa de apoio para
entender o motivo dessa proibição, pois está em uma fase cheia de
mudanças e dúvidas. Muitas vezes, o jovem está na busca até de respostas
para o seu vício e encontra conforto em grupos de apoio.
Quando é necessário internação, o jovem deve ir por livre e espontânea vontade ou pode ser forçado a isso?
Em casos em que o jovem não
consegue separar as coisas, está em um grau de dependência que perdeu a
liberdade de escolher, pode ser até utilizada uma interação
involuntária. Mas ela é ruim porque afasta o familiar e o médico do
paciente, o que pode aumentar o risco de suicídio. Por isso, o melhor é
contar com ajuda médica para tomar qualquer atitude.
"Quanto mais cedo a pessoa começar a usar drogas, maiores serão as chances de ter problemas de saúde."
A internação é garantia de sucesso da reabilitação?
Não. Ela é uma forma de
tratamento que o médico especializado pode indicar, mas não garante que o
paciente nunca mais tenha recaídas. As chances de sucesso são bem
maiores quando a internação é bem aceita pela pessoa que usa drogas. Por
isso, a família e o médico têm de apoiar e incentivar o paciente,
mostrando a importância do tratamento.
Qual deve ser a postura dos pais e da família durante o tratamento?
A família deve sempre buscar
orientação e seguir todas as condutas que a equipe de saúde recomenda.
Por exemplo: se a equipe fala "não pode usar drogas", a família não pode
permitir uma única vez sequer que o filho use drogas. É difícil, porque
muitos pais ficam com dó de ver o filho sofrendo com a abstinência e
permitem, achando que usar apenas uma vez não terá problemas. Se a
equipe também orienta que o adolescente volte aos estudos, a família
precisa incentivar isso. É uma medida para que ele volte à vida normal e
se distraia. Há pais que deixam o filho ficar em casa, com medo de que
ele se irrite demais ao forçá-lo a ir à escola.
É fundamental, portanto,
tanto dar apoio e carinho quanto ser mais rígido em alguns momentos.
Quando o tratamento é mais difícil por conta do comportamento e da
dependência do adolescente, os pais podem atrapalhar se forem flexíveis
demais com o filho.
Como as drogas ilícitas mais comuns agem no organismo do adolescente?
Maconha causa taquicardia,
dilatação das veias oculares, euforia seguida por um momento de
sonolência ou depressão, boca seca, ansiedade, pânico, alucinações,
diminuição da atenção, dificuldade de coordenação motora, entre outros.
Em longo prazo, pode causar dependência - irritabilidade, insônia e
ansiedade ao não fumar -, prejuízo da memória (déficit de atenção),
tristeza, câncer no trato respiratório, câncer de cabeça e pescoço,
bronquite, enfisema e tosse crônica.
Cocaína e crack causam
euforia, diminuição de apetite e sono, taquicardia, aumento da pressão
arterial, irritabilidade, paranoia, entre outros. Em longo prazo, a
droga provoca alterações de humor, psicose, ataques cardíacos, dores no
peito, tontura, convulsões, AVC, perda do olfato, náuseas, dor
abdominal, alergias, perda de peso e outros problemas.
Ecstasy causa agitação,
náusea, sudorese, batimento dos dentes, visão borrada, câibras,
desidratação, infarto, insuficiência renal. Após o uso da droga, há um
prejuízo nas funções mentais, principalmente na memória, que pode durar
até uma semana. A intoxicação por esse tipo pode causar aumento da
pressão arterial, ataques de pânico, perda da consciência e convulsões.
Já o LSD causa taquicardia, aumento da pressão arterial, tontura, perda
de apetite, boca seca, náusea e tremores.