A boate Kiss em Santa Maria (RS), onde 234 jovens morreram após um
incêndio na madrugada de domingo (27), nunca deveria ter aberto as
portas. Um decreto estadual de 1998, válido em todo o território do Rio
Grande do Sul, obriga casas noturnas construídas em casas térreas a
terem ao menos duas saídas, sendo uma de emergência, em lados opostos do
imóvel. O estabelecimento tinha apenas uma porta que funcionava como
entrada e saída, o que dificultou a saída dos clientes quando o fogo
começou e obrigou os bombeiros a abrirem um buraco na parede externa
para auxiliar no salvamento.
-
Na norma da ABNT, F-6 corresponde a casas noturnas, e o número 2 indica a quantidade de saídas necessárias
Esta lei afirma que a resolução da ABNT (Associação Brasileira de
Normas e Técnicas) sobre saídas de emergência deve ser cumprida. "A
norma 9077 da ABNT prevê ao menos duas saídas para casas noturnas e
boates", afirma José Carlos Tomina, superintendente do Comitê Brasileiro
de Segurança contra Incêndios da ABNT e pesquisador do IPT (Instituto
de Pesquisas Tecnológicas). "Isso independe do tamanho da casa ou da
capacidade."
Segundo o Corpo de Bombeiros, o alvará da casa estava vencido, mas,
como os proprietários já tinham entrado com pedido de renovação, a Kiss
continuou funcionando.
Procurados pela reportagem, nenhum assessor dos bombeiros foi
localizado para comentar a aprovação do plano de prevenção sem as saídas
obrigatórias por lei.
Entenda o caso
O incêndio começou por volta das 2h30 de domingo (27) na boate Kiss,
localizada no centro de Santa Maria (RS). Ao todo, 234 pessoas morreram e
mais de cem permanecem internadas em hospitais da cidade e de Porto
Alegre, ao menos 75 delas em estado grave com risco de morte.
A grande maioria das pessoas que estavam na festa, promovida por alunos
da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), morreu asfixiada. Muitos
foram encontrados amontoados nos banheiros, onde tentavam fugir do
fogo. Segundo testemunho dos sobreviventes, antes de perceberem o
incêndio, os seguranças teriam impedido os jovens de saírem sem pagar.
No local, havia apenas uma porta, que funcionava como a única passagem
de entrada e saída da boate. Bombeiros e sobreviventes quebraram a
fachada da casa noturna a marretadas para retirar as pessoas.
A boate Kiss, com capacidade para até mil pessoas, recebeu entre 600 e
mil no dia do incêndio, de acordo com a polícia, que também informou que
o alvará de funcionamento do local estava vencido desde agosto passado.
O fogo teria começado na espuma de isolamento acústico da boate, após
um integrante da banda Gurizada Fandangueira manipular um sinalizador.
Faíscas atingiram o teto e iniciaram as chamas. O guitarrista da banda
afirmou que o extintor de incêndio não funcionou.
As apurações preliminares indicam que foram usados três sinalizadores
durante a festa: dois no chão e um no alto, virado em direção ao teto.
Mas nenhuma das pessoas ouvidas até esta segunda-feira (28) assumiu ter
usado um sinalizador.
A Justiça decretou a prisão preventiva de dois músicos da banda
Gurizada Fandangueira --o vocalista Marcelo dos Santos e o produtor
Luciano Leão--, bem como dos empresários Mauro Hoffman e Elissandro
Spohr, apontados como donos da casa noturna.
As prisões foram motivadas por indícios de que eles estariam
prejudicando as investigações com o desaparecimento ou com a manipulação
de provas. A informação é da promotora criminal Waleska Flores
Agostini, representante do Ministério Público na investigação do caso,
que disse que o aparente sumiço de imagens do circuito interno de
câmeras da boate caracterizaria obstrução.
Os bens dos donos da boate Kiss também foram boqueados, a partir da
autorização do juiz plantonista do Fórum de Santa Maria (RS), Afif
Simões Neto. Ele deferiu o pedido da Defensoria Pública do Rio Grande do
Sul, que também abrange eventuais bens registrados em nome da boate
como pessoa jurídica.
Milhares vão às ruas de Santa Maria em homenagem às vítimas 29.jan.2013 - Milhares de pessoas fizeram uma caminhada pelas ruas de Santa Maria na noite desta segunda-feir