As brasileiras não precisam aguardar os desfiles de moda praia para
confirmar a maior tendência do litoral: quando o verão chegar, só vai
dar biquíni pequeno.
Desde o surgimento das tangas, na década 1970, nenhum modelo de biquíni
com mais de cinco dedos de largura ganhou notoriedade no Brasil. "Tem
de ter muita criatividade para, a cada verão, pensar em jeitos
diferentes de fazer quatro triângulos, dois em cima e dois embaixo", diz
João Braga, professor de história da moda da Faap.
O biquíni foi criado em 1946 por Jacques Heim ou Louis Réard, os dois
franceses que disputam a autoria da peça. Na época, foi um escândalo e
Réard precisou contratar uma stripper, Micheline Bernardini, para posar
para as primeiras fotos de biquíni. As modelos da época se recusaram a
participar de ensaios com boa parte do corpo de fora.
No Brasil, eles chegaram a ser proibidos por Jânio Quadros, na década
de 1960, nas apresentações televisionadas dos concursos de Miss. Mas foi
a partir da década seguinte, que a tanga renasceu para a civilização
moderna e criou um capítulo importante da nossa história com os
microbiquínis. "A modelo brasileira Rose di Primo havia encomendado uma
fantasia para uma festa do Havaí. Em cima da hora, ela percebeu que a
calcinha estava pequena. Sem tempo para fazer ajustes, Rose cortou as
laterais, colocou cordões e amarrou", conta João Braga.
Desde então, os biquínis pequenos são protagonistas nas lojas e nas
praias brasileiras: o fio dental reinou nos anos 1980, a asa-delta nos
1990 e as tangas nunca mais deixaram o posto da preferência nacional.
"Na minha loja, os modelos que mais vendem são os de lacinho", diz Lenny
Niemeyer, estilista da marca Lenny. "O biquíni cortininha e o de
amarrar ainda são os favoritos da mulher brasileira", confirma Thomaz
Azulay, diretor criativo da Blue Man.
A tanga é ajustável por conta das amarrações laterais. Portanto, ela
consegue se moldar naturalmente ao corpo de cada mulher, sem apertar as
odiadas gordurinhas laterais. "As brasileiras têm o hábito de se pautar
pelo corpo na hora de vestir. É por isso que, no Brasil, a moda das
periguetes pega", brinca João Braga.
É com todo esse culto ao corpo que viramos referência internacional em
depilação cavada, em calça stretch e, mais do que biquínis, em
beachwear. Como consequência dos 7 mil km de extensão litorânea e clima–
é raro inverno abaixo dos 20ºC –, boa parte dos brasileiros passa o ano
todo com pouquíssima roupa. "Nos especializamos nesse lifestyle e
adquirimos um diferencial de modelagem reconhecido internacionalmente",
acredita Lenny Niemeyer. "Este definitivamente é o nosso know-how",
completa.
Historicamente, a tanga é uma volta às origens. "Somos descendentes de
índios – eles já usavam - e deles pegamos essa naturalidade com a pouca
roupa", diz João Braga. Daí, é só adicionar as curvas dos africanos e o
resultado é esse, a mulher brasileira.
João Braga propõe um teste. "Repare como uma mulher anda quando está
sozinha e como ela muda, se souber que está sendo observada. A
brasileira é vaidosa, sabe que tem curvas, que o homem cultua essas
curvas e gosta de mostrar o que tem de bom", acrescenta.
Dos índios, também herdamos o gosto pelo banho e pela água, que pode
ser transposto para o mar. Aqui, temos uma cultura de praia forte e o
hábito de passar horas entre a areia e o sol. Longe da praia, também
temos costume de frequentar clubes e piscinas. "A mulher brasileira se
preocupa muito com a marquinha e raramente toma sol de maiô", acredita
Thomaz Azulay, da Blue Man.
A modelo Renata Kuerten, por exemplo, é uma das mais requisitadas para
desfiles de moda íntima e beachwear. "Adoro desfilar de maiô, parece que
alonga a silhueta e você fica mais elegante", conta. Mas na hora de
tomar sol, o discurso muda. "Na praia, eu uso modelos bem pequeninhos",
diz e sorri.
Os grandes têm vez
"Somos um povo muito diverso, a mulher brasileira não tem um único
modelo de corpo. Não somos todas como a Sônia Braga. Existem meninas,
inclusive jovens, que se sentem muito desconfortáveis em biquínis
minúsculos", diz a antropóloga Mirian Goldenberg.
Para ela, o que existe é uma espécie de ditadura no mercado que
prioriza um só tipo de corpo, e pior, calculadamente. "Na época em que
só se encontrava calça jeans de cintura baixa, ouvi de uma empresária da
moda que as calças eram feitas propositalmente para jovens, porque as
marcas não queriam colocar a sua etiqueta na bunda de uma mulher mais
velha", afirma.
Mas é nessa diversidade que cresce o mercado de nicho. Nas lojas de
Adriana Degreas, marca diferenciada de beachwear, a estilista homônima
confirma que a peça mais procurada é exatamente a "hot pant", uma versão
de calcinha grande, quase do tamanho de um short. "Eu gosto de lembrar
que nem todas as pessoas vão à praia para tomar sol. Tem gente que
prefere ficar com um chapelão, na sombra, embaixo do guarda-sol e não
necessariamente está preocupada com a marca que vai ficar", fala a
estilista.
Mesmo assim, Adriana acrescenta que, entre as peças da sua marca
procuradas no atacado, fora das suas lojas próprias, os biquínis de
lacinho são os que mais vendem.